"O estádio é oval. A bola é redonda. Diz-se que a estupidez é quadrada; no entanto insere-se espantosamente bem nesta geometria. As mentes adormecidas pela excitação emotiva abrem-se para o esférico e a estupidez e fecham-se para a inteligência que é, por sua vez, pontapeada pelas atitudes e ensurdecida pelos gritos. Estes impedem-na de ouvir-se a si mesma e de pronunciar-se acerca do árbitro ou dos individuos que ostentam cores do clube que não é o nosso.
Quando há golo, a energia de grande multidão percorre as bancadas unindo cada espectador na mesma agitação, nemesma voz desafinada, na mesma ruidosa preocupação com a derrota dos outros. Vagas energéticas contraem os abdómens colectivos ocupados em expelir o ar que, atravessando as cordas vocais, se enche de sons caricatos: realiza-se, então, uma plena comunhão visceral e sonora. Comenta-se a família do árbitro sem conhece-la, incita-se os adversários ao intercâmbio de caneladas e fazem-se gestos e caretas feios. Expele-se livre e compulsivamente o que nos vai no interior contribuindo para aumentar o peso da atmosfera psiquicamente carregada. Pensa-se cobras e lagartos. Grunhe-se descontentamento. Urra-se alegria. Gesticula-se entusiasmo. Somatizam-se jogadas. A bola move-nos as tripas e comanda-nos as emoções à distancia. Desejo e repulsa sucedem-se à medida que a posição do esférico vai mudando.
Estamos juntos a separar-nos uns dos outros, da inteligência e do desportivismo. Somos peritos em desmascarar a rpofunda realidade do desporto: o nosso clube é o melhor; os jogadores são brutos ou fortes consoante o lado do campo; os outros espectadores usam bandeiras e enfeites para sabermos distingui os camaradas dos infra-humanos; o árbitro arbitra aobretudo a nossa paixão e fica asado ou cornúpeto consoante a direcção que a bola imprime a esta. Ao pão e circo do povo romano sucederam as batatas fritas e o futebol: não há sangue mas há cabeçadas e caneladas. A histeria é libertadora. Emporcalhar o estádio é consubstanciar o que lá vemos passar-se...
O melhor, entretanto, acontece quando as pessoas resolvem, à saída, prolongar o desafio em palavras, gestos, actos e condução auto-mobilística."
Rotiv Anderson, 1991
Será este o cenário que ilustra o provérbio "Mens sana in corpore sano"?